Áustria, Freud e mal-estar da civilização

Áustria, Freud e mal-estar da civilização

Colunista volta ao ano de 1998, na casa-museu de Freud, e traça um paralelo sobre o aprendizado que a civilização ainda precisa ter.

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29 Março 2018 – Diário de Santa Maria

Colunista volta ao ano de 1998, na casa-museu de Freud, e traça um paralelo sobre o aprendizado que a civilização ainda precisa ter

Junho de 1998
São Paulo, aeroporto de Cumbica

20 anos de idade. Era a primeira viagem à Europa. Na realidade, era a primeira viagem ao exterior. Eu era tímido e inseguro. Meu inglês – apesar de inúmeros cursos feitos desde os seis, sete anos de idade – era travado. Não conseguia me comunicar efetivamente. Ficava preocupado com a pronúncia correta das palavras e ser impecável no tempo verbal, pronomes, preposições e etc.

Hoje sei que a preocupação com todos esses detalhes impede a fluência em qualquer língua estrangeira. A ideia é se comunicar e ser entendido. Por isso, precisamos mudar a nossa concepção no aprendizado de línguas. Não basta estudar para passar na prova, evoluir para o próximo estágio de seu curso e depois esquecer tudo o que decorou. É fundamental utilizar o instinto, a intuição e a criatividade. Ter um objetivo claro, uma motivação forte, uma necessidade palpável. Priorizando a linguagem oral para ser capaz de trabalhar, passear, fazer amigos, exercer atividades, compartilhar a nova cultura com a mesma fluência e desenvoltura da língua materna.

Fotos: Nina Disconzi (Arquivo Pessoal)

Julho de 1998. Áustria-Viena

Em julho de 1998, após quase um mês de Europa, visitei a Áustria. Um dos pontos turísticos de Viena é a casa de Sigmund Freud (1859-1939), o famoso médico neurologista e fundador da psicanálise. Suas ideias sobre o inconsciente e a sexualidade desenvolvidas a partir de procedimentos terapêuticos revolucionaram as interpretações humanas no século XX. A casa museu tem diversos objetos que pertenceram ao pai da psicanálise, o Freud Museum. Foi nessa casa que Freud desenvolveu suas técnicas, estudos, escreveu seus livros e viveu com sua esposa e filhos.

O museu nos mostra diversas fotos de Freud com seus amigos e intelectuais da época, além de objetos e obras de arte. Soma-se a isso que a entrada ao museu dá direito a um áudio-guia, recheado de informações e curiosidades sobre a vida de Freud. O museu encontra-se na Rua Berggasse número 19, num prédio no distrito 9 de Viena, a poucos metros da estação de metrô Schottenring.

Fotos: Nina Disconzi (Arquivo Pessoal)

No seu clássico livro Mal-estar da civilização – escrito às vésperas do colapso da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 e publicado em Viena no ano seguinte – Freud descreve a natureza humana:

“O ser humano não é uma criatura branda, ávida de amor, que no máximo pode se defender, quando atacado, mas sim que ele deve incluir, entre seus dotes instintuais, também um forte quinhão de agressividade. Em consequência disso, para ele o próximo não constitui apenas um possível colaborador e objeto sexual, mas também uma tentação para satisfazer a tendência à agressão, para explorar seu trabalho sem recompensá-lo, para dele se utilizar sexualmente contra a sua vontade, para usurpar seu patrimônio, para humilhá-lo, para afligir-lhe dor, para torturá-lo e matá-lo”.

Na concepção de Freud, há uma hostilidade inata e primária do ser humano. Freud afirmava que apesar da evolução tecnológica e científica, os excessos mais grosseiros da violência – em todos os aspectos – estão presentes. Ou seja, mesmo com o avanço tecnológico e científico que tivemos, de acordo com Freud, isso não favoreceu a humanidade para que ela se tornasse mais feliz e tivesse mais prazer.

Hoje em dia, não há dúvida que é uma ilusão acreditar que a melhoria tecnológica-cientifica levará a “civilização” humana a outro patamar.

Neste sentido, o sociólogo Bauman (1925-2017) afirma que atualmente,

 “vivemos numa modernidade líquida que traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos – um amor líquido. A insegurança inspirada por essa condição estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos”.

Diz, ainda Bauman:

“damos prioridade a relacionamentos em “redes”, as quais podem ser tecidas ou desmanchadas com igual facilidade – e frequentemente sem que isso envolva nenhum contato além do virtual -, não sabemos mais manter laços a longo prazo”.

É uma triste constatação e um alerta revigorante de nossos tempos sombrios.

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