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08 novembro 2017 – Diário de Santa Maria
Fui a Portugal, em setembro de 2015 para um compromisso na cidade de Coimbra. Na capital portuguesa (Lisboa), decidi viajar de trem até o meu destino. Minto. Na verdade, foram os amigos que me aconselharam a fazê-lo, para apreciar as belas e típicas paisagens da região. Uma hora antes do horário marcado lá estava eu na estação Oriente. Ansioso e tenso. E se o trem (comboio) atrasasse, pensava inquieto. Pois bem, preocupei-me à toa. O trem chegou e saiu pontualmente na hora estabelecida. Considerei um belíssimo exemplo de respeito ao usuário.
Acredito que, por causa do nervosismo, tive dificuldade de encontrar o meu vagão ou carruagem, como lá é chamado. Depois de idas e vindas pelas carruagens, encontrei a poltrona. Sentei e olhei através da ampla janela. Suspirei relaxado. Sentia-me pronto para apreciar a paisagem tão exaltada pelos amigos. Mas não consegui ver nada, de imediato. Uma súbita emoção singrou do meu peito até o rosto e marejaram meus olhos.
Tempos depois, senti-me extremamente grato pelas lágrimas. Ela,s além de não conseguirem ofuscar a estonteante paisagem das colinas, das encostas, das pradarias e dos campos exuberantes que corriam através dos meus olhos, trouxeram-me à lembrança os versos do poeta Luís Vaz de Camões (1524-158):
Oh, mar quanto do teu sal são as lágrimas de Portugal … e Verdes são os campos, de cor de limão: assim são os olhos do meu coração….
Embalado pelo contínuo movimento do trem, vieram à mente as histórias de meus antepassados e, principalmente, as raízes históricas e culturais que nos ligam a Portugal. Por isso, deixei a imaginação à solta. E com a visão dos castelos, conventos, mosteiros, ruínas e fortificações senti ser transportado para outros tempos. E estes lugares estavam tomados por cavaleiros, príncipes, reis e formosas rainhas como Inês de Castro, “a que foi sem nunca ter sido”.
Bem, foi a sonoridade musical dos diálogos entre dois senhores de idade avançada, sentados ao meu lado, que me trouxeram de volta à realidade. Relatavam viagens empreendidas por cada um deles, através de inúmeros países: Indonésia, Istambul, Egito, Cuba, Argentina, Peru, Japão e mundo afora. Meditei comigo: esses viajantes, juntos, sem dúvida, parecem uma versão verbal do mapa múndi.
Ouvi-os fazerem considerações críticas. Discursarem a respeito dos encantos e desencantos de cada lugar e apontarem soluções. E num tom saudosista manifestarem a alegria de estarem de volta à terra natal. Ao lar.
A partir daquela conversa entremeado de referências turísticas, pensei acerca do significado de mobilidade. Mobilidade é sinônimo de qualidade ou propriedade do que é móvel ou obedece às leis do movimento. Aprendi que o ser humano é por natureza um homo viator (“homem caminhante”: aquele que viaja). Ao longo da história da humanidade, não houve desafio que o impedisse de migrar em busca de novos horizontes.
Atualmente, as distâncias já não significam nada para nós. De um lado, os meios de transportes que percorrem grandes distâncias com rapidez e conforto (o automóvel oferece uma gostosa sensação de independência). De outro, os meios de comunicação que, com os avanços tecnológicos, nos conectam num toque com o mundo (a “locomoção virtual” da TV e da internet em tempo real ainda assombra muita gente).
Nos dias de hoje, um dos dilemas da mobilidade é que ela se tornou o próprio objetivo. Há pessoas, por exemplo, que precisam preencher o seu tempo com mil atividades, sobrecarregam-se de funções, de estímulos, de distrações: necessitam estar em constante movimento (rotação, ebulição) sem metas estabelecidas. Esquecem, porém, que a mobilidade possui um princípio fundamental: alcançar um destino.
A grande maioria de nós busca mover com propósito definido de alcançar um lugar especial. Nele, encontramos sossego e calma, proteção, aconchego e companhia. Nele, relacionamos com amor e afeto, sem medo e sem distinção. Nele, cultuamos as tradições, os ideais, os sonhos, os pensamentos dos que vieram antes de nós e dos que estão ainda por vir. Este lugar especial damos o nome de lar.
Falaremos mais dele no nosso próximo encontro.