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Vemos em uma parábola medieval a triste sina de Deus… A parábola narra que numa obscura aldeia da Polônia central, havia uma pequena sinagoga. Uma noite, ao fazer suas rondas, o Rabi entrou e viu Deus sentado em um canto escuro. Ele se jogou diante dele e gritou: “Deus senhor, que Fazeis aqui?” Deus não lhe respondeu nem com um trovão nem com a rajada de vento, mas em voz baixa: “Estou cansado, Rabi. Estou cansado até a morte”.
“Não faz muito tempo, eu viajava de trem pelo sul da Polônia. Passamos por uma ruína desabada sobre a crista de uma montanha. Um dos poloneses do meu compartimento contou o que se passara por lá. Havia sido um monastério, e os alemães usaram como prisão de oficiais russos capturados. No último ano da guerra, quando o exército alemão do Leste começou a recuar, não chegava mais comida na prisão. Os guardas pilhavam o que conseguiam da terra, mas logo seus cães policiais, com fome, tornaram-se perigosos. Depois de alguma hesitação, os alemães soltaram os cachorros sobre os prisioneiros, e, enlouquecidos de fome, os cães devoravam vários deles vivos. Quando a guarnição fugiu, deixou os sobreviventes trancados no porão. Dois deles conseguiram se manter vivos, matando e devorando seus companheiros. Finalmente, o exército soviético que avançava os encontrou. Deram comida decente aos dois soldados e então os fuzilaram a fim de que os soldados vissem a que abjeção seus antigos oficiais foram reduzidos. Depois disso, o monastério foi totalmente queimado”.
Retirei esse trecho da obra de George Steiner intitulada A morte da tragédia.
É uma passagem que choca e horroriza o leitor. O horror parece nos acompanhar. Como diz o poeta e dramaturgo William Shakespeare na peça Macbeth: “horror, horror, horror”.
O horror e a tragédia estão diante de nós a todo tempo. E nisso parece que Deus se cansou da selvageria humana. Não é por menos. Talvez Ele não se reconheça no espelho da Sua criação. Parece que Ele não é mais capaz de ter controle sobre ela. Talvez Ele abandonou o mundo a sua própria sorte e agora vive em algum canto do Universo tão remoto que Seus mensageiros não conseguem sequer alcançar!
Nesse sentido, o filósofo Albert Camus, no ensaio filosófico O mito de Sísifo, introduz sua filosofia do absurdo em busca do sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo ininteligível desprovido de Deus e eternidade. Ele compara o absurdo da vida do homem ao protagonista da história mítica.
Assim para Camus, o personagem Sísifo, segundo a lenda homérica, fora condenado pelos deuses a eternamente empenhar todo o seu ser numa tarefa vã e estéril. Tinha de rolar uma enorme pedra até o topo da montanha apenas para vê-la tornar a precipitar-se montanha abaixo.
No nosso dia a dia, vivemos como Sísifo, repetindo, repetindo, repetindo até a exaustão uma mesma tarefa.
O objetivo de Camus, nesse ensaio, é que a humanidade pode cobrar coragem. Pois, segundo Camus, a parte mais importante da lenda não é a ascensão de Sísifo à montanha. É durante seu retorno do alto da montanha que o herói se torna inspirador.
Como diz Camus, “essa hora é como um intervalo para respirar que lhe retorna com a mesma certeza com que lhe vem o sofrimento, essa é a hora da consciência”. Não nos falta nesse episodio mitológico, em especial, razões para nos mostrar esperançosos. A vida não permite conformidade tampouco resignação. Enquanto a pedra estiver rolando, a luta pelo Bem nunca será estéril e fútil.
Talvez Deus nunca nos abandonou. Ele está dentro de nós. Na realidade, nós deixamos Deus na parte mais sombria de nosso ser.
Cabe a iluminação para resgatá-lo.