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“Nesse ano de 2016, completa-se 400 anos sem Shakespeare. O bardo, o gênio atemporal, o poeta e dramaturgo considerado o ‘primus inter pares’ da literatura universal. Aquele aclamado em prosa e verso como o maior escritor de todos os tempos”.
A origem do espanto
Um dos significados da palavra espanto é causar ou sentir grande admiração, deixar ou ficar muito admirado.
Clarice Lispector revela o significado associado do espanto em nossas vidas, numa sentença admirável: “Cada mudança, cada projeto novo causa espanto: Meu coração está espantado”.
O espanto está presente em nossas vidas. No nascimento de um filho ou filha, no primeiro olhar para a pessoa amada, na leitura de um livro, num espetacular filme ou série televisiva ou mesmo quando alcançamos um sonho e etc.
Aristóteles afirma que o começo de todas as ciências é o espanto das coisas serem o que são.
Na realidade, Platão e Aristóteles indicaram com precisão a experiência que, segundo eles, dá origem ao pensar filosófico. É aquilo que os gregos chamaram Thauma (espanto, admiração, perplexidade).
Com efeito, foi pela admiração (thauma) que os homens começaram a filosofar tanto no princípio como agora; perplexos, de início, ante as dificuldades mais óbvias, avançaram pouco a pouco e enunciaram problemas a respeito das maiores, como os fenômenos da Lua, do Sol e das estrelas, assim como da gênese do universo.
E o homem que é tomado de perplexidade e admiração julga-se ignorante (por isso o amigo dos mitos (filomito) é de um certo filósofo, pois também o mito é tecido de maravilhas; portanto, como filosofavam para fugir à ignorância, é evidente que buscavam a ciência a fim de saber, e não como uma finalidade utilitária. (ARISTÓTELES, Metafísica, A 982 b)
A filosofia, pois, começa quando algo desperta nossa admiração, espanta-nos, capta nossa atenção (que é isso? Por que é assim? Como é possível que seja assim?), interroga-nos, insistentemente, exige uma explicação. Espantar-se diante das coisas, interrogá-las, é próprio da condição humana.
O espanto: Shakespeare
Foi esse espanto (thauma) que eu senti ao mergulhar na obra de William Shakespeare. Como diria Eugéne Ionesco: “Mergulha, sem limites, no espanto e na estupefacção; deste modo podes ser sem limites, assim podes ser infinitamente”.
Quatro séculos se passaram desde sua morte. E a sua obra é um verdadeiro caleidoscópio de sentimentos formado por paixões, conflitos, crimes e verdades, configura um sério depoimento sobre a condição humana.
Ao narrar uma história emocionante e reflexiva sobre a vida e a morte, o cânone shakespeariano fascina todo tipo de plateia: desde que a procura o teatro como mera diversão até que a busca formas de pensamentos mais profundas.
Bloom diz: “ao ler as peças de Shakespeare e, até certo ponto, ao assistir a encenações, o procedimento mais sensato é deixar-se levar pelo e pelos personagens, e permitir uma recepção que possa se distanciar daquilo que é lido, ouvido e visto”.
Obra universal, é encenada, trazida para o cinema, incorporada em outros meios artísticos. Obra perfeita, tem resistido a todas as adaptações, a todas as dificuldades de tradução, a todas mutilações.
Bloom considera que “Shakespeare tornou-se o primeiro autor universal, substituindo a Bíblia no consciente secular”.
E, de acordo com Ben Jonson, comediógrafo de grande talento, disse três anos após a morte de Shakespeare: “sua obra não pertence a uma época, mas a todas”.
Por fim, como diria Harold Bloom: “ As obras completas de Shakespeare poderiam ser denominadas O Livro da Realidade (…) concluo ser Shakespeare não apenas o próprio cânone ocidental como, também, o cânone universal”.